ICMS : divisão de tributo no comércio eletrônico deve provocar disputa judicial
Após uma longa disputa judicial, o Supremo declarou no início de 2021 que a tributação era inconstitucional, devido à falta de regulamentação por lei complementar. Mas permitiu aos estados manterem a cobrança até final do ano passado, para não prejudicar o caixa desses entes.
A adoção dessa modalidade de recolhimento tenta equilibrar a repartição do ICMS diante do aumento do comércio pela internet, em que um produto é produzido num estado, mas pode ser estocado num centro de distribuição e vendido em outros locais.
Ou seja, a ideia é que o recolhimento do ICMS não se concentre apenas nos estados produtores, podendo ser dividido também com estados em que estejam os consumidores finais.
A proposta de lei complementar aprovada no Senado em 20 de dezembro, e sancionada agora, possui um artigo que remete aos princípios constitucionais que só permitem cobrança de novos tributos ou aumento de alíquotas após 90 dias —respeitando também a questão da anterioridade anual.
Por isso, especialistas e empresas entendem que a diferença do ICMS no destino só pode ser cobrada a partir de 2023.
Já os secretários de Fazenda dos estados afirmam que a cobrança é imediata. Para eles, não há instituição de imposto ou aumento de alíquota que justifique a questão da anualidade.
"O que tem nessa norma de instituição ou aumento de tributo? Nada. O que a norma continua regrando é a divisão da tributação nas operações interestaduais", afirma André Horta Melo, diretor institucional do Comsefaz (comitê nacional de secretários de Fazenda).
"Hoje se retomou a cobrança normal, como vinha desde 2015, sem alteração. O que trouxe alguma dificuldade para essa discussão foi o fato de não ter sido sancionado até dia 31 [de dezembro]. Teve esse soluço de quatro, cinco dias. Então isso dá margem a bastante discussão."
Para o Comsefaz, o Legislativo não colocou na norma a data em que ela entra em vigor. Portanto, aplica-se o artigo 6º da lei geral das normas brasileiras: quando a vigência não for apontada especificamente, os efeitos são imediatos.
Pedro Siqueira, sócio do escritório Bichara Advogados, afirma que o Legislativo optou por colocar no artigo 3º da lei complementar que devem ser observados os princípios da anterioridade. Portanto, os contribuintes vão defender a tese de que a cobrança só é válida a partir de 2023.
Ele afirma que tem orientado os clientes a só deixar de recolher o tributo e fazer o depósito judicial após ingressar com ação judicial. Como é uma questão que deve se arrastar por muito tempo nos tribunais e não pode ser descartada a possibilidade de nova vitória dos estados, ele diz acreditar que as empresas devem continuar repassando o ICMS total para os consumidores.
"Certamente vai ter discussão judicial em relação à produção dos efeitos dessa lei e a possibilidade da cobrança do Dial ainda em 2022", afirma Siqueira, para quem a discussão deve chegar novamente ao STF e se arrastar por, pelo menos, quatro anos.
Segundo a Confirp Consultoria Contábil, se um produto é vendido de São Paulo para a Bahia, por exemplo, com alíquota do ICMS na operação interestadual de 7%, este percentual é devido para São Paulo. Se o mesmo produto na Bahia tem alíquota de 18%, o vendedor paulista teria que recolher o Difal (de 11%) para o estado onde está o comprador, no Nordeste.
Se a legislação não puder ser aplicada neste ano, esses 11% não serão recolhidos –desde 2015, não existe mais a previsão de recolhimento da alíquota cheia na origem.
O diretor tributário da consultoria, Welinton Mota, também afirma que, para o ICMS, prevalece o princípio da anterioridade anual. "Significa dizer que, respeitada essa última regra constitucional, a produção de efeitos inicia-se apenas em 2023."
A empresa avalia que isso poderá levar à retenção de mercadorias na divisa dos estados e que varejistas terão de lançar mão de medidas cautelares para garantir que as mercadorias cheguem até o consumidor final.
Para que valesse a partir de 1º de janeiro de 2022, a medida deveria ter sido aprovada e sancionada até outubro do ano passado, segundo a consultoria.
A Difal se aplica nos casos em que o destinatário do produto se localiza em outro estado e não é contribuinte de ICMS, o que é o caso das pessoas físicas.
O crescimento do comércio eletrônico foi um dos fatores que impulsionaram a guerra fiscal no começo da década passada. Isso ocorreu porque estados que funcionam como polos de produção e comercialização passaram a centralizar a arrecadação de ICMS, incentivando a concessão de benefícios fiscais para atrair centros de distribuição.
O Congresso buscou solucionar essa questão por meio da emenda constitucional de 2015. O texto definiu que, nas compras online, caberia ao estado de origem apenas a alíquota interestadual do ICMS, ficando o de destino com a diferença entre sua alíquota interna e o que já foi cobrado na origem.
Com isso, as unidades da federação onde estão localizados centros de distribuição de mercadorias para revenda eletrônica a todo o Brasil passaram a ratear o ICMS com os estados de destino dessas mercadorias.
Fonte: Contábeis com informações da Folha de S.Paulo